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A importância dos ritos fúnebres nas tradições religiosas

 
Por pastora Rosane Pletsch*
 
Em meu ministério pastoral, desde que iniciei, até hoje, percebo que há cada vez mais distanciamento com a realidade da morte.
 
Anos atrás, as pessoas eram cuidadas em casa e vinham a óbito em casa; muitas eram veladas em suas casas ou, então, na igreja. Passava-se a noite juntos. O sino, no caso da igreja luterana, batia avisando toda a comunidade circundante que alguém tinha falecido. Se era óbito de adulto ou criança, o sino era batido de forma diferente. No período do velório, as pessoas almoçavam na casa, havia grupos que ajudavam a preparar os alimentos. As pessoas enlutadas não ficavam sozinhas. A vizinhança se envolvia em todo o processo, até ajudava a família enlutada a fazer o serviço na lavoura, pois muitas vezes, já tinham passados semanas no hospital ou em casa mesmo, cuidando do doente. Todo o adoecer era acompanhado com momentos de oração e de visita. Era um apoio integral. Tudo isso é muito importante. Um conceito e uma práxis que devemos buscar atualizar.
 
Hoje, temos os hospitais onde as pessoas doentes são levadas, temos capela mortuária e pouca coisa ocorre em casa ou na igreja. Tudo é mais individualizado e distante da comunidade, dos grupos de apoio.
 
Com a pandemia da Covid-19, nem capela mortuária, nem casa. A pessoa falecida vai direto do leito do hospital para a sepultura. O ato é restrito à família e, às vezes, nem isso. Alguns familiares não viram nada, ou seja, não viram a pessoa falecer e nem viram o seu sepultamento. Este é o caso das pessoas que compõem o grupo de risco ou que estavam em isolamento ou até mesmo internadas também. Tem casos que até se tem dúvidas se a pessoa sepultada ali era, realmente, o seu familiar.
 
O acompanhamento nos casos de morte é feito através de muitos ritos, momentos de empatia, proximidade: o abraço, segurar na mão, o gesto de levar uma flor, compartilhar partes da história de vida da pessoa falecida, mencionar coisas boas que ela fez, ou deixou. Os familiares podem dizer algo, ou simplesmente ser presença. Não é a fala o mais importante nestas horas. Tudo isso são atitudes e gestos de amparo e de entrega. Todos estão ali choram juntos, recebem um abraço de solidariedade. No velório, quanto mais pessoas estão presentes, mais confortante é para as pessoas enlutadas. Muitas vezes me dizem: “Pastora eu nem sabia que meu pai (ou mãe) era tão querido assim. Viu quantas pessoas vieram ao velório?” Tudo isso é conforto. No cemitério ou na casa mortuária, orar juntos, cantar o hino preferido da pessoa falecida, colocá-la na terra, por sobre ela terra e flores... isso tudo é parte do ritual de entrega.  
 
Sabe-se que o corpo está ali, que tudo foi feito com amor e cuidado. Na pandemia, pouco ou quase nada disso pode ser feito. Mesmo nos casos em que o vírus não está mais ativo, o ritual é limitado em relação ao número de pessoas que podem participar. Tudo é feito a distância e até com medo.
 
A CULPA
 
Toda morte gera culpa. A gente sempre pensa que poderia ter feito algo melhor, que poderia ter dito isto ou aquilo. Na pandemia, este sentimento é maior, pois cuidar da pessoa que adoeceu é quase impossível para a família. Quando a família percebe, os sintomas estão ali, a pessoa interna, é intubada, enfim... todo esse processo. Não há mais tempo para dizer algo, para pedir perdão, para explicar algo. A separação é rápida e drástica. Tão importante quanto o ritual fúnebre é o acompanhamento pós sepultamento, quando tudo passou e o luto começa a ser elaborado. No atual momento, tal acompanhamento é muito difícil, pois se um familiar veio a óbito pela Covid-19, há o risco de a família também estar infectada. 
 
ORAÇÃO
 
Quero falar algo também do apelo pastoral, da oração, do pedido a Deus por cura. Está correto correr para os braços de Deus, pedir cura, depositar toda a nossa confiança em Deus. Quem, frente à proximidade da morte de uma pessoa querida, não grita a Deus. Mas eu também tenho visto uma visão meio triunfalista de Deus, e no fundo, uma negação da morte. É como se Deus, como todo poderoso, devesse e pudesse erradicar a morte. Que a morte precisa ser varrida da vida. Claro que Deus pode livrar da morte, mas nós também precisamos saber que a morte faz parte da vida. Ajuda mais, ao invés de um Deus triunfalista, ter a confiança de que também, ou melhor, principalmente, no sofrimento e na morte, Deus se faz presente. Isso não significa falta de fé, nem que Deus abandonou a pessoa. Mas é confiança em Deus, que é solidário, próximo, sensível.
 
*Rosane Pletsch é pastora na Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Maringá, Paraná. 
 
Imagem: Pixabay

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