É impressionante como a cultura do ódio nos faz odiar primeiro e conhecer depois. Ou melhor, nos impede de conhecer, visto que o ódio antecipado nos priva da possibilidade de conhecer e reconhecer a outra, o outro.
Obviamente essa “cultura do ódio” não é desprovida de intencionalidades e de uma história. Pensando em nosso país, sua formação, a maneira como foi “organizado” por aqueles que detêm o poder material e subjetivo, não há como escapar o reconhecimento de que as engrenagens do ódio em geral, e do ódio religioso em específico tem muito do racismo, que desde que os invasores portugueses aqui chegaram, promovendo genocídios literais e culturais de povos nativos; que a estrutura colonial, com seu modo de produção baseado na escravidão, que promoveu a segundo onda genocida, agora de homens e mulheres escravizadas de África, que o Racismo tornou-se parte da nossa sociedade, de nossa cultura, mesmo quando nem nos damos conta disso.
Sim, é preciso voltar sempre ao início para entender por que nosso ódio religioso, ou melhor, nosso Racismo Religioso, se dirige de maneira tão específica ao Candomblé, a Umbanda. Alguém já notou que o mesmo ódio não é dirigido a outras religiões, antigas ou novas. Aliás, uma boa parte do acervo da religião greco-romana é consumido de forma bastante comum, em forma de filmes, ou revistas em quadrinho. Em comum, os olhos azuis e cabelos loiros dessas divindades, não nos deixam disfarçar o racismo internalizado que recebemos como parte de nossa formação cultural.
Por isso mesmo, algo que deveria ser muito simples, aparece revestido de forma excepcional. Afinal, qual o problema mesmo de sentarmos a mesa para conversarmos com pessoas de outras religiões, inclusive para saber o que realmente pensam, quais suas práticas, o sentido delas. Para só ai, podermos formar uma opinião melhor sobre essa religiosidade – lembrando de antemão, é claro, que não importando nossa opinião sobre a mesma, o dever de respeitar se dá no fato de que queremos para as outras pessoas e crenças o mesmo respeito que queremos com as nossas.
Mas voltando, o que há de excepcional de convidar uma liderança de uma outra religião, para ouvir o que ela tem a dizer, dialogar de forma respeitosa, etc.? Certamente não deveria haver problema algum. E quando colocamos em prática, descobrimos isso mesmo: não há problema nenhum!
Foi nesse sentido que acolhemos como comunidade ao longo dos anos, diversas lideranças de Candomblé e Umbanda em nossas atividades de formação para Cidadania e busca da superação do racismo religioso. Um desses encontros, que nos marcou de forma especial, foi o Jantar Teológico - encontro de formação voltado para o aprofundamento de temas para a própria comunidade, e de diálogo com a sociedade – que teve como convidada a ilustre Mãe Stella de Oxóssi, em abril de 2011.
Enfermeira por profissão, líder religiosa desde 1976 do Terreiro Ilê Axé Opó Afonjá - que além do serviço religioso sempre foi reconhecido por seu trabalho social - escritora premiada, nada disso impediu que ao longo de sua vida (Mãe Stella faleceu aos 93 anos, em dezembro de 2018), sofresse insultos e ofensas, em geral por pessoas que se identificavam como “cristãs”.
Por isso mesmo, embora singelo em si, o 18º Jantar Teológico se revestiu desse caráter especial por acolher de forma respeitosa a presença de Mãe Stella para uma palestra com o objetivo de conhecer sua visão acerca de sua religião.
E foi assim que se deu o encontro: por cerca de 40 minutos ela expôs o seu pensamento, depois a plenária presente pode lhe trazer questões, que foram cortês e pacientemente respondidas, e após tudo isso, nos sentamos a mesa para comermos juntas e juntos.
Gestos simples, respeito, humanidade. Isso só para falar o óbvio. Mas se fossemos pensar nos nossos compromissos como cristãos de “amar ao próximo como a si mesmo”, momentos de acolhida como esse deveriam ser a regra, e não exceção. Inspirados em Jesus, nosso Mestre, deveríamos ter sempre a nossa mesa todas as pessoas, sem discriminações ou preconceitos.
Quando refletimos sobre o tema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade” de forma imediata e legítima pensamos nas muitas divisões e conflitos que temos entre nós mesmos, membros das várias confissões de fé cristã. Mas ao pensar no exemplo de Jesus, somos levados a refletir nossas divisões internas em diálogo com nossas atitudes com pessoas de outras religiões. Somos desafiados a pensar o quanto da cultura mundana do racismo e de todas outras formas preconceito e discriminação influenciam a nossa maneira de sermos cristãos, de sermos igrejas, do que o exemplo do Jesus que pregou e viveu o amor, a equidade, o respeito.
Que este seja um tempo de reconhecimento, reparação, restauração. Para que possamos, enfim, anunciar a paz de Cristo, que começa em nós mesmos.
Pr. Joel Zeferino,
Pastor na Igreja Batista Nazareth – Salvador (BA).