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Anexação de territórios palestinos: entrevista com Soraya Misleh

 
Israel pretende, em 1° de julho, anexar parte dos territórios palestinos na Cisjordânia, apesar da oposição de boa parte da comunidade internacional, incluindo advertências da União Europeia e dos países árabes. O relator especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos na Palestina, Michael Lynk, já alertou que anexações violam direito internacional
 
O território que, desta vez, será anexado, compreende duas centenas de assentamentos judaicos, habitados por 450.000 pessoas, parte do vale do Jordão e a costa norte do mar Morto.
 
“A anexação ameaça estabelecer uma realidade legal de apartheid para os palestinos que ficarem no interior das áreas anexadas”, declarou Yehuda Shaul, cofundador da ONG pacifista Rompendo o Silêncio, formada por veteranos do Exército contrários à ocupação, em recente entrevista ao jornal El País.
 
Para aprofundar o tema, o CONIC conversou, por e-mail, com Soraya Misleh, jornalista palestino-brasileira, mestre e doutoranda em Estudos Árabes pela Universidade de São Paulo (USP), autora do livro “Al Nakba – um estudo sobre a catástrofe palestina” (Ed. Sundermann) e diretora do Instituto da Cultura Árabe (ICArabe).
 
Soraya, como a comunidade palestina recebeu o anúncio dessas novas anexações?
 
Com indignação, mas também com a mesma disposição de resistir de sempre, de lutar pela vida, de lutar contra a expansão colonial. Felizmente, existem organizações e pessoas solidárias que se expressam em todo o mundo e ecoam as vozes palestinas. Agradecemos o CONIC e suas congregadas por se somarem a esse movimento por justiça.
 
Na sua opinião, a comunidade internacional tem sido omissa?
 
Esse é o sentimento dos palestinos e palestinas, é o que dizem às pessoas quando visitam a Palestina ocupada. Infelizmente, eles têm razão para isso. A anexação anunciada agora unilateralmente por Trump e Israel não seria possível sem o aval e não condenação do mundo à colonização israelense há décadas.
 
Quais cenários você vislumbra caso a anexação ocorra?
 
A legitimação do apartheid, mais demolições de casas [de famílias palestinas], mais expulsão de palestinos que se juntarão aos 5 milhões de refugiados impedidos do direito legítimo de retornar às suas terras, garantido até pela Organização das Nações Unidas, a ONU. Enfim, continuidade da limpeza étnica de palestinos e colonização que já dura mais de 72 anos. A anexação prevê, entre seus pontos, o não desmantelamento dos assentamentos ilegais israelenses e a anexação definitiva, pelo Estado de Israel, do Vale do Jordão, fundamental para garantia de água à sobrevivência palestina. Escrevi um artigo para a Carta Capital, há alguns meses, sobre o chamado “Acordo do século”, que prevê a anexação (leia aqui: A Palestina não está à venda).
 
Há algo que possa ser feito para dissuadir o governo israelense?
 
O que pode ser feito para barrar essa anexação, para que o povo palestino tenha os direitos humanos fundamentais garantidos, é somar-se à solidariedade internacional. Esse é o pedido que fazemos. Neste momento, estamos trabalhando para construir uma campanha cujo tema é “Contra a anexação israelense, Palestina livre”. Também pedimos que se somem a todas as campanhas chamadas pela sociedade civil palestina, como a de BDS (boicote, desinvestimento e sanções) a Israel que, entre suas reivindicações, pede que governos de todo o mundo parem de comprar armas e tecnologias militares israelenses. 
 
Gostaria de acrescentar algo?
 
Sou filha de um palestino sobrevivente da Nakba, a catástrofe com a criação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica na Palestina. Ele sempre me dizia que quando era criança, cristãos, muçulmanos e judeus brincavam juntos, sem rótulos. Essa é a Palestina livre, laica, democrática, não racista que sonhamos. Meu pai tinha 13 anos de idade à época e, junto com a família, foi expulso violentamente de sua terra. Naquele momento foram 800 mil palestinos expulsos e cerca de 500 aldeias destruídas. Meu pai passou a vida sonhando com o retorno. Até hoje, aos 85 anos, espera por isso, assim como os atualmente 5 milhões de refugiados que vivem em campos nos países árabes e milhares na diáspora. Enquanto não retornarem, não se poderá falar de justiça plena. Por favor, abracem os palestinos e palestinas. Muito obrigada.
 
Foto: Pixabay

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