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Auxílio Emergencial: entrevista com José Antônio Moroni

 
Recentemente, foi anunciada a redução do valor do Auxílio Emergencial do governo, de R$ 600,00 para R$ 300,00 (saiba mais aqui). O Auxílio representa, para muitas pessoas, a única alternativa de renda em função da crise gerada pela pandemia. Nesse sentido, sua redução pela metade poderá trazer uma série de consequências para as famílias mais pobres, de Norte a Sul do Brasil.
 
Sobre o assunto, o CONIC conversou, por e-mail, com José Antônio Moroni, integrante do colegiado de gestão do Inesc e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político. “Na pandemia já foi liberado 1,2 trilhões de reais para Bancos, sem uma única contra partida. O auxílio atende mais de 67 milhões de pessoas e vai ter um custo total de 320 bilhões de reais. Dinheiro tem. Mas o governo está a serviço de quem?”, questiona Moroni.
 
Confira:
 
CONIC: Como você avalia o impacto do Auxílio Emergencial no sentido de amenizar a situação das famílias mais fragilizadas pela crise?
 
MORONI: Importante dizer que é um direito humano fundamental as pessoas terem renda. Vivemos numa sociedade capitalista onde boa parte dos serviços ou bens para atender os nossos direitos precisam ser comprados, infelizmente. Lembrando que quando do debate sobre o auxílio, o governo tinha colocado para a sociedade o "dilema" horrível, antiético até, de que era necessário optar entre salvar a economia ou as pessoas. Uma sociedade que aceita este dilema é uma sociedade doente. A luta toda que a sociedade fez para ter o auxílio emergencial foi para salvar pessoas. Associado a isso, tem a questão que o governo não lançou nenhum programa de preservação dos empregos. As famílias que tiveram acesso ao auxílio, indicam as pesquisas que a grande maioria usou para comprar comida. O auxílio ajudou a diminuir a fome que tem voltado com força no Brasil.
 
CONIC: O Brasil tem dinheiro para garantir o pagamento dos R$ 600,00 até dezembro?
 
MORONI: Tem. Aplicação de recursos públicos é questão de prioridade e indicativo a serviço de quem o governo está. Na pandemia já foi liberado 1,2 trilhões de reais para Bancos, sem uma única contra partida. Este valor para atender famílias que, [em números], caberiam na nossa mão. Já o auxílio atende mais de 67 milhões de pessoas e vai ter um custo total de 320 bilhões de reais. Dinheiro tem. Mas o governo está a serviço de quem?
 
CONIC: Por que algumas pessoas, e até organizações, ainda se colocam contra o Auxílio, mesmo diante de tantos dados positivos, como um que diz que ele impactou na redução da pobreza extrema?
 
MORONI: Infelizmente, temos que lidar com isso, assim como temos que lidar com pessoas e organizações que são contra o Bolsa Família, as Cotas, a formalização do Trabalho Doméstico etc., são pessoas que são contra estas questões, mas não falam nada quando um rico não paga imposto. Com isso quero dizer que tem um elemento de classe nisso. Por outro lado, somos ainda uma sociedade que ainda não superou a escravidão, tem gente ainda que acha que pobre - que na sua grande maioria, são negros e negras - não devem ter direito nenhum. Uma sociedade doente.
 
CONIC: Há algum tempo, o ex-senador Eduardo Suplicy vem defendendo uma "renda mínima" para toda a população - medida já adotada em alguns países. Na sua opinião, por qual motivo esse tipo de projeto não emplaca?
 
MORONI: Na verdade, a renda mínima universal defendida pelo [Eduardo] Suplicy não existe em nenhum país. As experiências que se tem não é universal. Citam o caso da Finlândia, Canadá ou Alaska. Nenhuma é universal. O que se tem são programas de transferências de renda, igual o Bolsa Família, que é o maior programa do mundo. Mas o Bolsa Família tem problemas. Um corte baixo de pobreza, 89 reais por pessoa, um benefício baixo em torno de 200 reais por família e não é universal no sentido que todos que estão no critério recebem. Tem fila para acessar. Defendemos que o Bolsa Família se transforme num programa de renda básica permanente, corrigindo estas distorções que apontei em relação ao Bolsa Família.
 
CONIC: O que falta para o Brasil (e o brasileiro) enxergar a importância de programas como auxílios emergenciais, cotas, entre outros? Estamos anestesiados?
 
MORONI: Somos uma sociedade fruto de vários fatores: não superamos a escravidão (temos uma herança escravocrata nas relações, na política, na economia, no poder, na cultura, etc.), não superamos as sesmarias, basta ver a presença do latifúndio, o poder é hereditário, passa de pai para filho, a educação de qualidade é apenas para alguns, a "nossa democracia" sobrevive com índices altíssimos de desigualdades, portanto, é uma democracia de fachada, temos um elite branca entreguista, que não tem um projeto nacional, etc. Mas, ao mesmo tempo, temos um povo que sobrevive e resiste a tudo isso. De forma criativa, alegre, com garra, com organização. Um dia, este povo vai ter força suficiente para virar esta página da nossa história.
 
Imagem: 600atedezembro.org.br

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