Estudantes e lideranças indígenas e universitárias realizaram, na última sexta-feira (14), a cerimônia de inauguração da Casa do Estudante Indígena Augusto Ópẽ da Silva na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O ato aconteceu junto ao primeiro bloco da moradia, localizado no campus sede da universidade, em Camobi. O COMIN esteve na celebração através da presença da assessora de projetos Kassiane Schwingel.
A cerimônia iniciou pela manhã, no gramado em frente ao prédio, com celebração e pronunciamento das lideranças indígenas e das e dos estudantes presentes. Entre as lideranças, estava o presidente da Comissão de Implementação e Acompanhamento do Programa Permanente de Formação de Acadêmicos Indígenas (CIAPPFAI), cacique Natanael Claudino, da Terra Indígena (TI) Kaingang de Santa Maria. Para ele, as universidades ainda estão em processo de construção e estarão prontas quando souberem lidar com as diferenças. Por isso, cabe aos povos indígenas ajudar a construir esse espaço que precisa ser aberto a todas e todos. “Essa conquista é pensando nas gerações futuras, nos nossos netos. Nós estamos plantando. Começamos aqui com três alunos e hoje são 66”, disse ressaltando o quanto foi dura a luta para se conseguir a moradia. Também estiveram no ato o Kujã do povo Kaingang, Jorge Garcia, e sua esposa Maria. Ambos, assim como outras lideranças, fizeram falas de aconselhamento às e aos estudantes indígenas da universidade.
Já as estudantes e os estudantes presentes reforçaram, em suas falas, que a casa não é um presente da universidade, mas que foi fruto de muita luta das lideranças e do coletivo indígena para que de fato o processo saísse do papel, lembrando, por exemplo, da ocupação da reitoria em 2014. Além disso, ressaltaram que a presença indígena na universidade não é importante apenas para as acadêmicas e acadêmicos, mas que, aos poucos, o espaço do campus está sendo utilizado também por famílias indígenas de forma geral.
Não basta entrar, é preciso permanecer
A UFSM é destaque no país em relação à política de moradia para estudantes. Além disso, conta hoje com um dos maiores grupos indígenas de discentes na região sul. A partir dessa presença indígena cada vez maior e do impulsionamento do debate sobre as ações afirmativas na universidade, implantadas em 2008, surgiu a demanda e o diálogo das e dos estudantes indígenas com a reitoria para a criação não só de um processo seletivo diferenciado, mas também de políticas de inserção e permanência.
A proposta para a construção da moradia estudantil indígena foi idealizada em 2014 pela CIAPPFAI, fruto dessa reivindicação das acadêmicas e acadêmicos e da conquista de lideranças indígenas, principalmente Augusto Ópẽ da Silva – líder Kaingang que faleceu em 2014 e dá nome à casa devido ao reconhecimento por sua luta não só para que a juventude indígena pudesse ingressar no ensino superior, mas que também fosse capaz de permanecer nas instituições de ensino. Ele foi, inclusive, o criador da CIAPPFAI em 2008. Além disso, a iniciativa contou com o apoio de entidades indigenistas como o COMIN que, desde o início, acompanha a demanda das e dos estudantes indígenas da UFSM e, a partir da divulgação do projeto da moradia indígena, passou a acompanhar a construção da casa, sendo representado na CIAPPFAI pelo assessor de projetos Sandro Luckmann.
O acadêmico do curso de Direito e uma das lideranças estudantis indígenas, Rodrigo Mariano, do povo Guarani M’bya, afirmou que ter uma casa na universidade específica para os indígenas é muito positivo porque, dessa forma, o grupo se sente em casa, o que não acontecia quando dividiam a moradia com estudantes não indígenas. “Somos seis povos, mas quando nos encontramos aqui é como se fosse uma família. Deixamos as diferenças culturais de lado e confraternizamos os momentos em que estamos juntos, nos organizamos da nossa maneira e discutimos nossos problemas, como se estivéssemos na aldeia”, disse. Apesar de atender uma demanda importante, no entanto, Rodrigo ressalta que é preciso pensar no futuro, pois a tendência é que no próximo semestre, com a chegada das novas e novos estudantes, o prédio vai atingir sua capacidade máxima e, dessa forma, se os novos blocos não forem construídos, o grupo vai enfrentar problemas de falta de vagas e superlotação. Esse foi, inclusive, um dos motivos para a realização da inauguração da casa: uma forma de pressionar os órgãos responsáveis pela execução do projeto para que ele se concretize como um todo.
Para Rodrigo, entidades como o COMIN tiveram papel essencial durante esse percurso, principalmente pelo diálogo e cobrança perante a instituição. “Se fôssemos apenas coletivo indígena talvez não teríamos o mesmo êxito. É um olhar de fora que dialoga com a universidade, mas que sabe das especificidades dos povos indígenas”, disse. O acadêmico, no entanto, lembra que a universidade ainda está longe de pensar na inclusão total dos povos indígenas e de minorias sociais como um todo. “É difícil se sentir incluído em um espaço que nunca foi pensado para nós. Até mesmo na sala de aula nos sentidos excluídos: os currículos não debatem a questão indígena, independente do curso, e acabamos levantando essas discussões e fazendo eventos por iniciativa própria”, destaca.
Estrutura da casa
O projeto da universidade visa a construção de quatro prédios semelhantes, na mesma área, dispostos em forma de círculo, simulando uma aldeia indígena. A área central, entre as edificações, além de ser um espaço de convivência, seria destinada à realização de rituais. O primeiro bloco foi finalizado no início deste ano e entregue às e aos discentes indígenas ainda no primeiro semestre. A casa oferece 96 vagas exclusivas para estudantes indígenas e, atualmente, abriga moradoras e moradores de seis povos: Guarani Kaiowá, Guarani M’bya, Kaingang, Terena, Tupiniquim e Xakriabá. Desde março, são 74 pessoas residindo no local, entre elas e eles filhas e filhos dependentes das e dos acadêmicos indígenas.
O prédio tem três andares e doze apartamentos mobiliados, cada um com quatro quartos, um banheiro, uma sala e uma cozinha, totalizando uma área de 1.244,16 m² e um investimento, entre construção e mobiliário, de aproximadamente R$ 1,8 milhão. O projeto dos quatro blocos prevê o preenchimento de 490 vagas, no entanto as obras dos demais prédios ainda não têm previsão de execução. De acordo com o vice-reitor da UFSM, Luciano Schuch, o futuro do projeto de ampliação da moradia depende da liberação de recursos federais.
Fonte: Comin
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