Estamos comemorando 72 anos do Dia Internacional dos Direitos Humanos, e parece que foi ontem, quando se iniciavam os primeiros movimentos históricos que vieram culminar com o advento e definições destes direitos.
Tivemos o rei Hamurabi, pelos idos do século XVIII a.C., que instituiu instituir o “Código de Hamurabi”, na antiga Suméria, enquanto fundador do primeiro reino Babilônico, trazendo 282 princípios que buscavam determinar penas proporcionais aos crimes, bem como, trazer um legado jurídico capaz de orientar uma organização social sob um controle da administração, inaugurando e influenciando modelos de construção legal e normativa para sociedades posteriores, como gregos e romanos, influenciando até nossos dias.
Na então Pérsia, o rei Ciro II, em 539 a.C., editou o que veio ser considerado a primeira Declaração de Direitos Humanos, documento que ficou conhecido como o “Cilindro de Ciro”, e trouxe liberdade a escravos judeus, permitiu a liberdade religiosa e vem condenar o trabalho forçado, dentre outros avanços.
Numa sequência, viemos ter como fruto de intensas lutas, participações e mobilizações sociais, diante das necessidades, contradições e a busca de justiça, o advento da Magna Carta (1215), a Petição de Direitos (1628), as inspiradoras declaração de independência e constituição americana (1776), a Revolução Francesa e sua “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” (1789), dentre outros exemplos, até chegarmos à “Declaração Universal dos Direitos Humanos” (1948), documento que representou uma grande concertação, acordo, compromisso global por uma civilização lastreada por princípios que tivessem como escopo a dignidade humana em sua plenitude, através do reconhecimento e implementação destes direitos, sendo lançada num 10 de dezembro.
Estes ciclos históricos continuaram, desta feita, na busca da implementação, fortalecimento e amplitude concreta destes direitos, em uma contínua agregação ao longo do tempo. Novos reconhecimentos passaram a ser consagrados a partir da dimensão do conceito da dignidade humana, onde aqui me refiro aos estabelecimentos, por exemplo, dos direitos concernentes às mulheres, aos LGBT+, a povos tradicionais, direitos ambientais, dentre outros.
Também é necessário lembrar que esta construção civilizacional mostra-se como um processo, muitas vezes difícil e permanentemente desafiador, onde ao tempo em que há o reconhecimento de direitos, há a intensa luta para a respectiva concretização destes, se verificando estágios de avanços e retrocessos que impendem a necessária vigilância, mobilização e atenção para que a efetivação dos Direitos Humanos não se esvaia.
Chegamos, então, a estes 72 anos da Declaração Universal, com um quadro global que reflete muitas adversidades, as quais também têm seus reflexos nacionais, onde vemos expressões em diversas partes do planeta de frontais ataques a garantia de direitos, que se expressam dentre várias formas, através do desenvolvimento de visões que desmerecem e tentam anular os Direitos Humanos e, inclusive, minar e atacar organismos que os defendem e promovem.
Dentre estes ataques, destacamos entre vários, aqueles que são calcados no avanço de um conservadorismo de viés muitas vezes neofascista, mas também vinculado a promoção de ideologias religiosas ou baseadas em perspectivas neste campo, que sob uma pretensa defesa de uma liberdade religiosa de determinados grupos, busca implementar como normas gerais, suas interpretações e visões particulares, impor pautas morais que, em verdade, são frontalmente ataques a direitos civis das mulheres, dos grupos LGBT+, à laicidade, se imiscuindo ainda a interesses geopolíticos.
Este quadro descrito se processa em diversos países numa onda preocupante, sempre atrelada a empoderamentos políticos de grupos de direita e neoconservadores, mas não podemos deixar de expressar nossa apreensão com seu estabelecimento no Brasil, numa crescente de ações que envolvem a ocupação de espaços políticos e estatais, numa atuação social que fomenta a intolerância para com expressões religiosas e de outras ordens que não comungam com as visões excludentes e preconceituosas, indução à ojeriza a certos grupos sociais e aos direitos das mulheres.
Percebemos que neste campo do conservadorismo, manifestado por pautas religiosas e morais, nosso quadro nacional foi se degradando aos poucos, norteado por projetos de poder por parte de grupos do campo religioso, lideranças religiosas, criando e construindo unidades em um avanço político com perspectivas de uma ultradireita conservadora, de maneira que cada vez mais vem se buscando estabelecer um “poder religioso” junto aos assuntos estatais.
Como resultado, vimos por exemplo, a expressão destas interferências se mostrarem bem presentes, na medida que temas como a discussão das questões de gênero são atacadas nos ambientes escolares, há a propagação de um discurso ou uma ideia de família que é excludente a todas as diversas configurações existentes, fomenta-se a falácia de uma “ditadura gay”, dentre outras tantas aberrações.
Assim, todos estes movimentos nos levam a refletir sobre qual o futuro que podemos ter como sociedade em se mantendo estes modelos de relações desprovidos de humanidade, solidariedade, indiferença para com aqueles que são vulnerabilizados, com o agravante do uso de crenças religiosas como justificativa para violências, preconceitos e desprezos.
Na contramão destes processos, temos, portanto, enquanto igrejas, religiosos, laicos, defensores de direitos humanos, primado por uma postura ética voltada a um humanismo, combatendo a implementação deste quadro social contrário a uma perspectiva civilizatória que precisa ser contestado, combatido e estancado, pois não podemos coadunar com retrocessos civilizacionais.
Constatamos, assim, que mesmo diante destes quadros descritos, nossa esperança se renova na medida que vemos, no campo religioso, o protagonismo de lideranças como o papa Francisco, que tem por suas ações e palavras, suscitado posturas verdadeiramente humanas, e no campo social, na esfera da diversidade religiosa, a existência de organismos e lideranças que promovem atuação diuturna e incisiva, não só nos embates necessários nas diversas esferas políticas e sociais, mas também, fomentando a defesa de direitos e dignidade que contemplem a todos e todas.
A construção coletiva de uma humanidade, pautada sob uma ótica dos Direitos Humanos, se manifesta como um dos principais anseios a serem abraçados e alcançados para o estabelecimento de um processo civilizatório contínuo e duradouro, honrando, assim, todo o histórico de lutas, vidas e movimentos que ao longo dos milênios, possibilitaram a construção do que melhor somos.
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*Elianildo da Silva Nascimento é advogado, coordenador da United Religions Iniciative – URI Brasília, membro da coordenação da Rede Nacional da Diversidade Religiosa – RENADIR e ativista de Direitos Humanos – Coordenador do Comitê Distrital de Diversidade Religiosa – CDDR.
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