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Julho das Pretas: potência política contemporânea em prol da vida!

 
Por Nívia Dias*
 
Estabelecido em 1992, na República Dominicana, sendo resultante do I Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas - evento que reuniu representantes de 70 países, com o objetivo de discutir problemáticas e lutas específicas das mulheres negras - o dia 25 de julho reverencia a luta e a resistência das mulheres negras. No Brasil, nessa mesma data, é, também, celebrado o “Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra”, liderança feminina negra que, no século XVIII, chefiou o Quilombo do Quariterê, em Mato Grosso.
 
De maneira perversa, o racismo e o sexismo impactam a vida das mulheres negras em suas mais variadas dimensões, se configurando enquanto mecanismos de produção e reprodução de hierarquias e de desigualdades. A desvalorização das capacidades cognitivas e produtivas das mulheres negras tem servido à sustentação de relações de exploração, dominação e opressão. Foi assim com Agar, mulher egípcia, negra, usada por Sarah e abusada por Abraão para seus interesses e, posteriormente, expulsa, sem saber como manter viva a si mesma e ao filho daquele que violou o seu corpo.
 
Dados do “Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil” (publicado em 2013, através da parceria ONU/IPEA/SPM/SEPPIR) revelam que a interseccionalidade entre esses dois marcadores sociais, gênero e raça, (sem excluir os demais: orientação sexual, classe, geração, região geográfica) afetam sobremaneira as mulheres negras na educação superior, mercado de trabalho, acesso à justiça, exposição à violência, dentre outros. Segundo a ONU, entre os anos 2003 e 2013 o homicídio de mulheres negras cresceu em 54%, enquanto para as mulheres brancas houve uma redução de 10%.
 
Desse modo, celebrar mais uma vez o dia 25 de julho, durante todo o mês, em uma agenda intitulada “Julho das Pretas”, com uma pauta em clamor à vida, voltada para a superação das desigualdades de gênero e raça, evidenciando uma agenda política das mulheres negras, é ainda mais urgente no atual cenário da pandemia do Covid-19, que acentua o já citado quadro de políticas de morte. Entretanto, nós lutamos e resistimos desde sempre, em diferentes espaços/tempos, como cantou/afirmou Margareth Menezes: “A minha pele de ébano é (...). Eu sou o sol da Jamaica, sou o som da Bahia (...). Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade/apesar de tanto não, tanta marginalidade, somos nós a alegria da cidade(...)” e, também, Nina Simone, no final da década de 60, nos EUA: “(...)Yeah, what have I got nobody can take away. I got my hair, I got my head, I got my brains(…)”/“(...)Sim, o que eu tenho ninguém pode tirar/Eu tenho o meu cabelo, eu tenho minha cabeça, eu tenho meu cérebro(...)”. Novamente no Brasil, Mc Soffia, aos 12 anos, lançou a canção “Minha Rapunzel de Dread”, onde afirmou: “(...)Na minha história, ela tem dread e é africana/(...). Era uma vez uma princesa Rastafari que nasceu no reino de Sabá(..)”.
 
Desse modo, o Julho das Pretas tem se configurado como um movimento necessário e imprescindível para denunciar as estruturas que, de diferentes formas, buscam aniquilar a vida de mulheres negras: urbanas, camponesas, quilombolas, das florestas, das águas, marisqueiras, pescadoras, LBT’s, trabalhadoras domésticas, profissionais do sexo, portadoras de deficiência e em situação de rua e apontar de maneira sistemática vias que resgatem nossa humanidade e dignidade, lembrando sempre que, para além das nossas necessidades e direitos, somos também sujeitas de desejos e, que, o Bem Viver nos principia.
 
É mais que urgente que as igrejas dediquem espaços à discussão da realidade social vivenciada por mulheres negras e que se contraponham às estruturas de dominação e opressão e tentativas de invisibilização de nossas lutas, somando vozes na denúncia das violações sofridas pela população negra feminina em todo o Brasil.
 
Foi nesse sentido, inclusive, que após um tempo de sensibilização, debates e reflexões internas, nos cultos e nas classes de estudos bíblicos, que a Igreja Batista Nazareth, em Salvador-BA, há cinco anos, celebrou seu primeiro culto em alusão ao Julho das Pretas. E é com o reconhecimento de que essa agenda representa um fundamental movimento político de clamor à vida das mulheres negras com dignidade e abundância - sinais do Reino, e testemunho do Evangelho - que no próximo domingo (26/07), por meio virtual devido à pandemia, mas de forma muito real e concreta em termos de compromisso, que teremos nosso V Culto do Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha
 
Para nos fortalecer nessa discussão, a palavra será proferida pela irmã Vanessa Barboza, assistente social, consultora e articuladora do Movimento Negro Evangélico de Pernambuco e da Rede de Mulheres Negras Evangélicas. Na música, contaremos com a participação especial de Carol Gama, pianista negra e professora formada pela Universidade Federal da Bahia, e que hoje reside e leciona na Colômbia. Eu, Nívia Dias, coordenarei o culto e aqui aproveito para reverenciar minhas irmãs pretas, todas elas, mais velhas e mais novas, por suas/nossas lutas, que me trouxeram até aqui e que me fazem caminhar adiante. 
 
Por isso, mas do que o convite para participar de um Culto Virtual, nosso chamado é para que essa data entre no coração das comunidades, pois lembrando que as igrejas são formadas em sua maioria por mulheres, e mulheres pretas, não seria essa data muito mais relevante do que outras que insistem numa eterna reverência colonizada a homens brancos, europeus, que pouco ou nada se comunicam com as vivências reais de nossas comunidades afro-evangélicas-brasileiras?
 
O que: Culto alusivo ao “Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha”
Quando: Domingo, dia 26 de julho, a partir das 19h. 
 
*Nívia Dias é educadora popular e atual presidenta da Aliança de Batistas do Brasil
Foto: IBN - Culto da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha, 2018 (acervo pessoal)
 

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