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Movimento da Reforma e os direitos das pessoas pobres

Movimento da Reforma e os direitos das pessoas pobres
 
Por Claudete Beise Ulrich[1] 
 
Martim Lutero escreveu um importante texto, em meados de 1520, dirigido à nobreza cristã da nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristão. O reformador é muito claro e assertivo em seu escrito. Ele propõe que a nobreza cristã deixe de lado a ostentação e o luxo. Aponta para a necessidade do controle sobre o comércio, do combate à usura e que sejam fechadas as casas de prostituição.
 
Neste texto, Lutero lançou um desafio para que as cidades assumissem o enfrentamento da pobreza e viessem a garantir o bem-estar, trabalho e cidadania para todos/todas os/as seus/suas habitantes. Entre o povo de Deus não deve haver pobreza e mendicantes [2].  As causas da pobreza no período da Reforma eram resultados de guerras, pestes-doenças, perseguição religiosa, analfabetismo, sistema feudal, más colheitas e também do sistema religioso baseado na compra das indulgências.[3]
 
As pessoas pobres e empobrecidas são colocadas no centro da reflexão teológica de Lutero, dos homens e das mulheres reformadoras, e passam a ser vistos como sujeitos de direitos. A pobreza é uma condição que pode e deve ser transformada. Isto também é possível perceber na publicação das 95 teses. Em quatro teses, Lutero deixa bem claro que se deve combater a pobreza, buscando superá-la ao invés de comprar indulgências. Lutero questiona e denuncia, portanto, todo o sistema sócio-político religioso do seu tempo.
 
Tese 43: “Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências”:
Tese 45: “Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um pobre e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus”. 
Tese 59: “S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época”.
Tese 86: “Por que o papa, cuja fortuna hoje é maior que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma Basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis”?[4]
 
Estas quatro teses colocam no centro do coração da Igreja o direito dos/as pobres e necessitados/as. Todo o sistema sócio religioso que se beneficiava da pobreza é profundamente criticado e denunciado a partir da teologia da justificação por graça e fé. A graça de Deus é presente, dom gratuito dado pela fé. As boas obras são frutos de uma fé ativa no amor, mas elas não são necessárias para a salvação. Portanto, quem se assume como pessoa cristã exerce uma cidadania que busca a transformação das situações de pobreza e desigualdades sociais. Com esta mensagem revolucionária, proclamada pela reforma, os pobres foram libertos das obras de caridade e passam a ser sujeitos de direitos de uma diaconia transformadora. Os pobres não eram vistos como seres humanos portadores de direitos. As obras que se faziam em benefício dos pobres tinham somente o objetivo de aliviar a própria consciência e de garantir um lugar no céu, não visando de fato uma mudança efetiva da situação de pobreza e miséria. A perspectiva era somente caritativa, usada como instrumento para alcançar a salvação. 
 
Lutero denuncia o sistema injusto do seu tempo e propõe mudanças radicais no sistema sócio-político-econômico-religioso do seu tempo, por isso, publicou teses que apontam para a atuação ativa cidadã amorosa de todas as pessoas crentes em Jesus Cristo. A fonte de toda ética cristã é o amor ativo à pessoa próxima. Os cristãos e as cristãs precisam atuar no mundo, buscando a transformação das estruturas injustas e pecaminosas. Isto significa também agir na vida cotidiana de acordo com os ensinamentos de Cristo, praticar uma diaconia transformadora que afirme os direitos e a cidadania dos pobres e de todos/as que se empenham pela proclamação e a vivência palpável do Reino de Deus. 
 
O movimento histórico da Reforma e as suas consequências ainda hoje continuam a motivar e a inspirar pessoas e comunidades cristãs a exercitar a ética do amor a qualquer pessoa próxima em situação de necessidade e ou pobreza (Mateus 25.31-46). Que os gestos de pessoas cristãs, livres em amor e comprometidas com o bem-viver, se multipliquem também no tempo histórico que nos toca a viver. 
 
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Notas:
[1] Partes do texto encontram-se no artigo escrito por ULRICH, Claudete Beise; BRAKEMEIER, Ruthild Brakemeier Mulheres reformadoras fazendo Diaconia e Direitos. In: Cibele KUSS. (Org.). Fé, justiça de gênero e incidência pública: 500 anos da Reforma e Diaconia Transformadora. 1ed. Porto Alegre: Fundação Luterana de Diaconia, 2017, v. 1, p. 9-24.
[2] LUTERO, Martinho. À nobreza cristã da nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristão. In: LUTERO, Martinho. Obras selecionadas: O programa da Reforma: escritos de 1520. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1995. v. 2, p. 277- 340.
[3] BANZHAF, Günter. Diakonische Impulse der Reformationszeit. DiakonischesWerk Württemberg. 17.11.2015. Disponível em: https://www.diakonie- wuerttemberg.de/fileadmin/Medien/Fotos/Son_Reformation_Diakonische_Impulse.pdf. Acesso em 20 set. 2017.
[4] LUTERO, Martinho. Explicações do Debate sobre o valor das indulgências. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Os primórdios escritos de 1517 a 1519. v. 1 São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1987. p. 152, p. 153, p. 171 e p. 187.
 
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*Claudete Beise Ulrich é possui graduação em Teologia pela Escola Superior de Teologia (1987), graduação em Pedagogia - habilitação Educação Infantil pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2005), mestrado em Teologia Prática pelo Instituto Ecumênico de Pós-Gradução da Escola Superior de Teologia (2002) e doutorado em Teologia, também pelo Instituto Ecumênico de Pós-Gradução da Escola Superior de Teologia (2006).
 
Imagem: Pixabay
 

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