O fundamentalismo é, de algum modo, fruto de uma incompreensão do outro. É o oposto da empatia. Enquanto o ser empático tenta ver o mundo “pelo olhar do outro”, o fundamentalista se nega a reconhecer que possa existir uma opinião contrária à sua. O fundamentalista acha que só ele tem a verdade. Só ele é sincero. Só ele quer “o bem de todos”. Quem pensa divergente é um inimigo e, como tal, precisa ser silenciado, reprimido, eliminado.
Nem mesmo a ciência, com todo seu arcabouço de conhecimento, consegue convencer o fundamentalista de que ele pode estar errado. Ao contrário da ciência, o fundamentalismo se baseia em ideias fixas, imutáveis. Por isso, muitos desses grupos defendem ideias como “a terra é plana”, ou “vacinas causam demência”. Nesse ambiente, a ciência perde sua função, de modo que argumentar algo com base em conhecimentos testados tem valor nulo, igual a zero.
Um exemplo recente de como os fundamentalismos estão em evidência foi a conversão da Basílica de Santa Sofia em uma mesquita. O local, que desde 1934 servia como um museu, recebendo visitantes de todo o mundo e dando um exemplo de diálogo entre as culturas cristã e muçulmana, agora volta a ser um local de culto. Uma decisão que não contribuirá em nada para construir pontes, ao contrário: poderá gerar uma série de animosidades inter-religiosas.
Aqui no Brasil também vemos crescer exemplos que entristecem. Na Baixada Fluminense, estado do Rio, criminosos armados que dominam algumas comunidades se apropriam de símbolos religiosos para impor medo aos adeptos de religiões de matriz africana.
E quanto a nós, cristãos e cristãs, como ficamos no meio disso tudo?
Ora, a primeira coisa a fazer é conservar o espírito de sabedoria que nos traz as Escrituras, sempre cientes de que se “a resposta branda desvia o furor”, por outro lado, “a palavra dura suscita a ira” (Provérbios 15:1). Os fundamentalistas não estão muito afim de convencer pela brandura. Normalmente, usam imagens fortes, acompanhadas de discursos ao mesmo tempo persuasivos e pouco acolhedores.
Paulo entre os gregos: empatia no lugar do fundamentalismo
Há muitos exemplos nas Escrituras que nos incentivam a desenvolver boa vontade para ouvir o outro e, depois disso, tentar construir pontes. O apóstolo Paulo era, muito possivelmente, um iconoclasta convicto, ao contrário dos gregos. Mas falando aos atenienses, ao invés de chamá-los de "idólatras” ou algum termo semelhante, ele simplesmente tentou criar uma ponte entre aquilo que pregava e o que os gregos acreditavam. Claro que nem tudo ele conseguiu “atenuar”, mas encontrou um ponto de diálogo entre a nova fé cristã e os atenienses.
Veja o que ele disse:
Então Paulo levantou-se na reunião do Areópago e disse: “Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos, pois, andando pela cidade, observei cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei até um altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio. (Atos 17:22,23)
Note que, na ocasião, Paulo não rejeitou a cultura dos gregos, muito ao contrário: parece até ter feito certa “vista grossa” para certos aspectos da “religião dos gregos” em prol do diálogo.
Caso Paulo não tivesse interesse em estabelecer uma ponte, mas um muro, poderia ter dito algo diferente, criticando a forma de crer dos gregos. Mas se optasse por essa estratégia, certamente teria tido um êxito diferente. Criando uma ponte, pode ser que, anonimamente, tenha conseguido atrair a atenção de alguns... Quem sabe?!
No versículo 28 deste mesmo capítulo Paulo demonstra não apenas querer estabelecer um diálogo com a religião dos gregos, buscando pontos comuns, como também valoriza aspectos da cultura deles, citando inclusive poetas conhecidos entre os gregos:
‘Pois nele vivemos, nos movemos e existimos’, como disseram alguns dos poetas de vocês: ‘Também somos descendência dele’. (Atos 17:28)
Enquanto cristãos e cristãs, precisamos estar atentos e atentas aos nossos discursos. Até que ponto nossas palavras e ações estão construindo pontes? Como Paulo, precisamos encontrar elementos de conexão com outras culturas caso queiramos estabelecer qualquer diálogo.
Jesus orienta a um caminho de maior tolerância
Os discípulos de Jesus estavam muito aguerridos acerca da verdade. Como quase todo recém-convertido à uma nova fé, queriam ter a primazia da palavra e a exclusividade do “pregar”.
Em certa ocasião, João veio reclamar que havia outras pessoas fazendo o bem “em nome de Jesus”. Na cabeça do discípulo, apenas os que estavam “no grupo de Jesus” podiam agir em nome dele. Trazendo para os dias atuais, é algo mais ou menos parecido com o “só minha igreja que é boa”. Mas a resposta de Jesus foi surpreendente.
“Não o impeçam”, disse Jesus. “Ninguém que faça um milagre em meu nome, pode falar mal de mim logo em seguida”. (Marcos 9:39)
Em seguida, arrematou:
“Eu lhes digo a verdade: Quem lhes der um copo de água em meu nome, por vocês pertencerem a Cristo, de modo nenhum perderá a sua recompensa”. (Marcos 9:41)
Fosse Jesus um fundamentalista, teria mandado averiguar o ocorrido para tentar barrar aquele que pregava fora do seu redil. Fez o contrário: “Não o impeçam”.
Perceba que no exemplo de Paulo temos uma lição de tolerância num ambiente inter-religioso. No caso de Jesus, um exemplo de aceitação e acolhida dentro do ambiente cristão.
Esses são dois bons exemplos para um mundo onde reina, cada vez mais, o espírito de disputa. E que fique claro: isso não quer dizer que eu ou você devamos deixar de falar com alegria da nossa fé, seja ela o cristianismo ou qualquer outra. Mas também precisamos escutar, estabelecer canais onde o outro seja ouvido e respeitado em sua diversidade.
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* O autor do artigo preferiu não se identificar.
Fonte: CONIC
Foto: Pixabay