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Ubuntu: o dia em que um terreiro me abraçou

Ubuntu: o dia em que um terreiro me abraçou

Por Rev. Ana Ester

Dia 15 de setembro acontece o “Dia do Ubuntu”, que é uma ação que tem por objetivo dizer não ao racismo religioso e à intolerância. Nesse dia, o CONIC está convidando a todas as comunidades de fé cristãs para visitarem um terreiro de Umbanda, de Candomblé ou de outra manifestação religiosa de origem africana, para levar um “abraço ao terreiro”. Essa ação me fez lembrar do dia em que eu recebi um “abraço do terreiro”. Na verdade, já recebi vários abraços de Comunidades Tradicionais de Terreiro, mas tem um em especial que marcou a minha vida ministerial. 

Tudo começou quando, depois de três anos de discernimento e de cumprimento de todos requisitos, eu fui aprovada, pelas Igrejas da Comunidade Metropolitana (Metropolitan Community Churches) para ser ordenada clériga dessa denominação religiosa cristã inclusiva. Começaram os preparativos. Eu já tinha o tema, a lista de convidados, estava trabalhando na liturgia, mas ainda havia uma questão: eu não tinha espaço físico para fazer a celebração da ordenação. À época, a Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte se reunia em uma casa na qual a sala não comportava esse tipo de evento. 

Pensei em várias soluções, desde alugar um auditório ou até usar o salão de festas da casa dos meus pais. Mas, eu queria que a cerimônia acontecesse em uma igreja, afinal eu seria ordenada clériga! Depois de algumas tentativas frustradas, finalmente percebi que não conhecia uma comunidade de fé cristã que estivesse disposta a abrir suas portas para que uma mulher lésbica fosse ordenada. O ano era 2019, e, àquela época, a relação entre igrejas evangélicas – mesmo as mais progressistas – e as pessoas dissidentes sexuais e de gênero ainda tinha pouco espaço para brechas. Não posso negar que é possível falar em avanços, mesmo que mínimos, nesses poucos anos. 

Foi então que meu amigo e pastor sugeriu que fizéssemos a cerimônia na Fraternidade Kayman, uma casa universalista, que se reunia em um terreiro de Umbandaime na cidade de Belo Horizonte. A casa tinha várias atividades, desde gira de desenvolvimento mediúnico da Umbanda até trabalhos na linha do Santo Daime. Eu já frequentava o espaço há algum tempo, sendo uma visitante assídua dos trabalhos de Santo Daime. Conversamos, então, com o dirigente da casa, Pierry Caetano, que acolheu prontamente nosso pedido e com muita alegria. 

O terreiro me abraçou. 
O terreiro abraçou minha fé. 
O terreiro abraçou meu ministério.
O terreiro abraçou minha lesbianidade. 

Enquanto as igrejas evangélicas insistiam em condenar a minha existência, um terreiro me acolheu. Essa é uma realidade que não pode ser negada nem esquecida. Eu sou devedora às Comunidades Tradicionais de Terreiro pelo ministério que hoje tenho. Afinal, “eu sou porque nós somos”. Eu me lembro, com lágrimas nos olhos, do momento em que me prostrei no chão, em posição de total entrega ministerial ao projeto de Jesus Cristo, sabendo que ali, de alguma forma, eu estava também batendo a cabeça para meu pai Obaluaê. Os símbolos estavam todos presentes, não em um sincretismo colonizador, mas em uma experiência autêntica de expansão da imagem de Deus em mim. 

Que nesse Dia do Ubuntu, nós abracemos as Comunidades Tradicionais de Terreiro em um sinal de respeito e de compromisso com a luta antirracista religiosa.

Abrace um Terreiro

Veja como você pode abraçar um terreiro neste link.


Foto: @chamegando (Pai João de Aruanda, líder espiritual da Fraternidade Kayman, abençoa Ana Ester)

Rev. Ana Ester é teóloga queer, doutora e mestra em Ciências da Religião, além de clériga ordenada pelas Igrejas da Comunidade Metropolitana

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