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Boas práticas CFE: Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade

 
Sou o reverendo Arthur Cavalcante, 47 anos, casado há 15 anos com o Prof. Dr. David Morales. Fui ordenado clérigo em 2001, e atualmente atuo como reitor da Paróquia da Santíssima Trindade, da Diocese Anglicana de São Paulo. 
 
Tenho encontrado muitas alegrias na minha caminhada na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB). Além da fé, da liturgia e do comprometimento com as causas sociais, foi dentro da Igreja Anglicana que descobri e aprendi aceitar minha orientação sexual, tendo “saído do armário” ainda como seminarista no fim da década de 90. Reconheci meu desejo e compreendi que não poderia haver pecado em amar outro homem. 
 
A partir de então, fui percebendo os ricos elementos tanto da teologia anglicana e como também a ecumênica sobre Direitos Humanos e Inclusividade, e claro, fui adquirindo uma melhor compreensão dos textos bíblicos acolhedores e detectando formas equivocadas de se fazer exegese que justificavam a exclusão de pessoas LBTQIA+. Dentro do anglicanismo discernimos a vontade de Deus através da Bíblia, da Tradição e da Razão. Algo sempre ficava claro para mim a falta de honestidade que o uso dos textos bíblicos clássicos condenatórios para a homossexualidade não tinham a mesma aplicabilidade de condenação em outros contextos. Isso foi tão libertador pois não poderia mais dissociar a fé do meu desejo, e pela razão não poderia justificar a condenação e também a violação do que chamo de amor. Havia ainda uma preocupação de que não estávamos prontos para acolher e se houvesse esse tipo de abertura muitas pessoas “tradicionais” iriam abandonar a nossa Igreja. Para mim, naquela fase de descoberta, Deus, Igreja e sexualidade estavam em perfeita harmonia. 
 
Minha tomada de decisão trouxe problemas para a minha Diocese de origem pois ela, naquele contexto, se posicionava contra a abertura a tais questões. Sabia-se que haviam homossexuais, inclusive clérigos, mas deveriam permanecer discretos. Sofri exposição pública e por não acatar a orientação “pastoral” do bispo de “voltar para o armário”, recebi uma disciplina que caçou o exercício do ministério.  Eu não poderia voltar a atrás, me tornar “discreto” ou negociar algo tão caro. Tudo foi muito duro de ser vivenciado quase de forma solitária!  
 
Passado poucos meses, conheci, contudo, uma outra face da mesma Igreja. Esse lado foi o da acolhida, mas em outra Diocese, longe de minha cidade natal e família. Fui convidado e reintegrado ao pastorado por outro bispo da IEAB, indo assumir uma pequena paróquia em Campinas.  Um ano depois fui convidado para concorrer ao pastorado na Paróquia da Santíssima Trindade, em São Paulo. Passei por uma sabatina pela membresia, análise do currículo, e eleito em seguida. O exercício do pastorado em uma comunidade de fiéis onde o tema sobre orientação sexual não era um problema foi libertador para deslanchar no meu ministério. Tudo fluía e me sentia por inteiro junto com o rebanho. 
 
Havia muita imaginação de como seria uma igreja tradicional quando abrisse as portas do seu templo de forma aberta aos LGBTQIA+. Ainda com toda acolhida recebida em São Paulo, pairava algo no ar sobre como seria uma comunidade que aceitou abertamente, através de um processo de eleição canônica, um pároco gay.  O caminho pastoral foi deixar a própria comunidade interagir com seus novos fiéis. O processo eleitoral aberto e claro foi um sinal para muitas pessoas se aproximarem da paróquia, não apenas LGBTQIA+, mas muitas que queriam espaços mais arejados. Era perceptível que principalmente os membros mais idosos demonstravam uma acolhida especial aos que iam se tornando membros: troca de abraços, beijos, muitas conversas durante o cafezinho do pós-culto. Muitas desses senhores e senhoras, viam na vinda desses novos fiéis a continuidade do trabalho deles pela Paróquia. 
 
Algo me marcou muito há uns dois anos depois de ter assumido a paróquia. Sempre abro um momento informal dentro serviço religioso para as pessoas pedirem suas orações, antes de seguirmos as litanias. Foi quando um membro gay se levantou e pediu orações por seu marido que estava gravemente enfermo em casa. Lembro como hoje como isso me deixou meio paralisado, com um certo medo como isso iria repercutir no meio dos fieis mais conservadores.  No fim, no momento do cafezinho não ouvi comentários sobre nada...todos conversando de forma descontraída e acolhedora. As fantasias bobas também povoavam minha mente. Aprendi com isso, a relaxar mais ainda nos cultos, deixando que o Espírito Santo tomasse conta desse novo momento. 
 
Pastoralmente nossos irmãos e irmãs LGBTQIA+ estão integrados e integradas nas pastorais/ministérios da igreja.  Espaços como a cozinha, bazar e sacristia não eram mais “domínio” das senhoras, mas também por gays. À principio algumas delas achavam estranho esse movimento, mas perceberam que algo estava revitalizando o ambiente. No altar o espaço é partilhado também por lésbicas. Aos poucos iam surgindo famílias de gays e lésbicas para apresentarem seus filhos e filhas para receberem o Santo Batismo nas cerimônias publicas solenes da paróquia. 
 
Algo importante para alargar essa comunhão e o bem-estar dentro da igreja foram as iniciativas pastorais envolvendo essa e outras temáticas com os movimentos sociais e ecumênicos. Isso lançou luz para inspirar fiéis de outras igrejas a trabalhar o tema da diversidade sexual com suas lideranças e comunidades. Até hoje recebo pessoas buscando acolhida pastoral. Muitas delas com o mesmo sentimento que sagrado e sexualidade não podem ser separados. E outras, ainda em processos duros de aceitação, sempre trazendo mais e mais textos bíblicos justificando a própria condenação e exclusão. 
 
TESTEMUNHO DE PARÓQUIA
 
Somos da Paróquia da Santíssima Trindade, pertencente a Diocese Anglicana de São Paulo, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Estamos na região Central da cidade de São Paulo e somos fruto do trabalho evangelizador da IEAB no ano de 1924. Somos tradicionais, sim, mas não tradicionalistas. Somos uma igreja tradicional, usamos a Bíblia e o Hinário Episcopal em nossos cultos. O Livro de Oração Comum nos inspira nas orações do povo e na celebração dos Sacramentos. Entendemos que o Evangelho nos chama para vivenciar a fé de modo prático, e por isso realizamos ações pastorais que desafiam o seguimento radical a Jesus Cristo. Buscamos alcançar e servir aos grupos que estão a margem da própria Igreja e da Sociedade.  Assim nos reconhecemos como pessoas fiéis do Movimento de Jesus! 
 
TESTEMUNHO DE UMA LEIGA
 
O testemunho é uma das melhores formas de falar sobre nossa fé. Vejamos então esse depoimento de Mara Luz, uma paroquiana, heterossexual: 
 
Em um país como o Brasil, campeão da desigualdade estrutural e do racismo institucional – que nem os governos progressistas foram capazes de reverter, apenas paliar – e em um continente como a América Latina, com desigualdades que se intersectam a cada esquina (gênero, etnicidade, raça, orientação sexual, idade, e lá vai) quando pensamos em diversidade, imediatamente também nos vem na pele, mente e coração, os temas de inclusão/exclusão, direitos, respeito... Em uma sociedade onde o masculino-branco-heterossexual-cristão é a norma; onde o sistema histórico patriarcal é o dominante; onde muitas religiões pregam a intolerância e até a violência contra a/o diferente; onde há um constante arbítrio e patrulhamento sobre o desejo e a vontade, podemos encontrar espaços reais de acolhida e convivência ao diferente? Na Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade, vivenciamos, na prática “as delícias e dores” (parafraseando Caetano Veloso) de ser uma comunidade de acolhida aos diferentes... aos imigrantes, aos que viemos de distintas denominações, àquelas e àqueles que têm uma orientação sexual e identidade de gênero que não é aquela normalmente entendida como “normativa”. 

 

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